domingo, 24 de fevereiro de 2013

QUE FAZER DESSE SOL DOMINGUEIRO VERANEADO?


QUE FAZER DESSE SOL DOMINGUEIRO VERANEADO?  (*)

DOMINGUEIRAS (01.05.11)

Já acordo no domingo procurando o meu cavalo branco (não o uísque, mas o animal) selado e arreado no terreiro de casa, pra me danar pelos ocos do mundo. Quando estou bem desperto descubro que estou em plena selva de concreto e asfalto, mesmo que algumas árvores dos canteiros da rua me remetam para o quintal do casarão de Ceará-Mirim. Fazer o que?
Vou para o meu “aquário”, um mirante que me expõe as ruas próximas e as dunas distantes, e encho os olhos de paisagens e de sonhos.
Um cachorro deposita os seus restos de lixo na calçada, e me lembro que quando criança nós entrelaçávamos os dedos indicadores e num repente, os excrementos do animal não fluíam mais, ficavam como que congelados entre o orifício e o espaço. Até que alguma senhora bondosa, numa zanga bem humorada nos fazia descruzar os dedos. E “plaft”, o sólido era atraído pela gravidade e se espatifava no chão.
A caminho do escritório, um sol veraneado e domingueiro me anima a tirar os óculos para captar de modo natural, sem anteparos, o mundo que me rodeia. É quando descubro um casal(?) de Galos de Campina. São velhos conhecidos. Quase sempre os encontro, no mesmo horário – entre 6 e 6.30 – bicando ciscos no chão.
Por isso tomei a decisão de sair todas as manhãs com a máquina fotográfica e nunca consegui flagrá-los, pois eles fogem tão logo me aproxime. Hoje tomei mais cuidado e fui me esgueirando pelo muro, sorrateiro, caviloso, dissimulado, e consegui chegar a uma distância que julguei suficiente para produzir uma obra de arte.
O sol no meu visor confundiu as imagens. E a minha visão, já cansada de 67 anos de “voyeurismo” existencial, sem os óculos, e com o olho direito aguardando o momento da cirurgia da catarata, completou o registro das dificuldades. Disparei o botão pedindo a Deus um milagre.
(Quando cheguei ao escritório e fui conferir as imagens, descobri que três das fotos esqueceram os pássaros e das três restantes, apenas uma distinguia as duas aves um exercício de adivinha. Estou decido a tratá-las no Photoshop para não admitir a derrota.)
A chave do cadeado escapuliu-me da mão e se projetou entre as grades do portão, caindo entre hibiscos do jardim da entrada. O portão impediu-me de recuperá-las. Pular o muro, nem pensar, com a cerca elétrica em funcionamento. Liguei para casa pedindo a duplicata e alguns minutos depois pude afinal entrar no meu refúgio.
Meu escritório é um caso à parte. É uma pequena construção térrea, composta por três peças: sala de estar/espera, sala de trabalho e banheiro. São apenas 40m² de área construída. Uma verdadeira caixa de Pandorra. Onde deveria ser a sala de espera, é também serventia de livros acondicionados em caixas de papelão e alguns equipamentos da antiga loja de artigos personalizados de minha mulher.
A sala de trabalho comporta a minha mesa de vidro em forma de “L”; três impressoras, um notebook e um computador de três módulos; duas poltronas azuis enormes; uma escrivaninha das antigas, integrante de um conjunto que inclui um divã em madeira e vime; uma mesa de reuniões com quatro cadeiras de vime; frigobar, som, estantes, estantes e estantes, livros, livros e livros.
Uma pequena pinacoteca com reproduções de Portinari (cangaceiros, instrumentistas e meninos caçadores e vendedores de pássaros); imagens de casarões e ruínas de Ceará-Mirim; e diplomas, títulos, medalhas. Um São Francisco de Assis Marinho e muitos gaveteiros.
É aqui que componho as minhas escrituras, reúno os amigos e atendo eventuais clientes.
Sentado diante do computador teclo essa crônica com o pensamento distante, embaralhando o que escrevo. Como estará Ceará-Mirim nesse dia de sol? Onde estaria no Ceará-Mirim o menino descalço, sem camisa, de calças curtas, mundo pequeno, curiosidade enorme, esperanças muitas, sonhos ilimitados?
Não sou lamurioso, nem vivo ancorado no passado. Sou homem contemporâneo, ajustado, tolerante, sem preconceitos. Mas que os domingos de sol veraneados são sumidouros de memórias, isso são...
Vou aguardar mais algum tempo para saborear um velho (Old) e honesto Parr e assuntar com os amigos e a família à beira da piscina, os muitos ufanos da terra Brasílica, beijada pelo sol e pela brisa que balança a palha dos coqueiros e assanha os cabelos das morenas.
Que cada um reencontre o seu Ceará-Mirim.
Bom domingo.
                                        (*) PEDRO SIMÕES NETO.
                                       (*)        O autor, Pedro Simões Neto, foi advogado militante, Professor e Escritor ;foi Pró-Reitor de Extensão Universitária da UFRN, além de ter exercido cargos de relevância na administração Pública estadual no período do Governo Geraldo Melo; faleceu em 1º/02/2013, após longo período de internação hospitalar.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

XENOFOBIA E COLONIZAÇÃO


XENOFOBIA E COLONIZAÇÃO(*)

Não sou xenófobo, nem regionalista ortodoxo - respondendo a uma insinuação de um querido e ácido amigo. Embora tenha razões para isso: a globalização e uma de suas mais nefastas consequências, a cultura de massa alienígena.
Minha formação literária, filosófica e sociológica foi universalista. Devorei os clássicos da literatura francesa, inglesa, alemã, espanhola, portuguesa e americana, entre outros, quando ainda era adolescente. Sempre tive muita familiaridade com a filosofia, porque era um jovem indagador, curioso, sedento de respostas às minhas questões existenciais. Desde os gregos, pré e pós socráticos até os existencialistas (Sartre e Kierkgaard, principalmente) foram objetos das minhas consultas. Encantei-me com o Teatro do Absurdo, com Pirandello, Shakespeare, Moliére, Tchekhov, Tenesee Williams...
Mas constatei que não poderia reviver os intelectuais do período imperial, que, retornando da Europa, traziam o Sena, o Tibre e o Tejo para os quintais de suas casas. Porque era necessário dar um sentido nativista à consciência nacional, todavia sem perder o sentido universal. Mesmo porque há muito de universal nas nossas culturas.
Por exemplo: há algum tempo atrás, lendo o excelente mexicano Ciro Alegria (Grande e estranho é o mundo), descubro na cultura dos indígenas daquele país, semelhanças com o nossos povo sertanejo nordestino. É só conferir. Assim como a pobreza, por exemplo, é um fenômeno universal. Senão, leia, só para confirmar, a "Crônica de Pobres Amantes" do italiano Vasco Pratolini.
Na verdade, distinguimos as questões estruturais da sociedade, através de ângulos culturais diferentes. Mudam os cenários, mas os roteiros e os atores são os mesmos.
Quando fui Pró-Reitor de Extensão da UFRN, observei que estávamos mais perto do Canadá, que da Paraíba. No entanto a Paraíba atendia melhor às nossas requisições que o Canadá, não apenas em razão da proximidade como da excelência e adequação aos nossos projetos na área tecnológica.
A questão é que sempre precisamos de um aval d´além mar. Como em relação aos produtos que adquiríamos antigamente. Se eram brasileiros, eram inconfiáveis, agora os alemães e americanos ...
Precisamos criar uma sedimentação cultural nacional e um estilo, uma marca, uma referência que estimule a nossa identidade, inconfundível com a alienação globalizante mas capaz de se firmar universalmente, como o fizeram alguns autores brasileiros.
Somos capazes de escarnecer de Paulo Coelho como incipiente cultural, pelo fato de ter alcançado sucesso internacional, mas não fazemos o mesmo com o lixo literário que é despejado das forjas da massificação global. Somos rigorosos com os nossos e tolerantes e compassivos com os alheios.
Por que devo garimpar os poetas balcânicos e os pintores eslovenos, se encontro aqui os mesmos valores? Talvez para oferecer uma dimensão universal da minha erudição, um mero exercício de pedantismo, presunção e pretensão, um penduricalho e um cacoete de colonizados.
Tenho uma identidade: sou brasileiro, tropical e latinoamericano. Sou cidadãos do mundo, mas conservo a minha identidade e é através dela que me qualifico e me individualizo, portanto...
Vou voltar ao tema. Por ora é só uma provocação.
                                                  (*) PEDRO SIMÕES NETO.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A FLAUTA MÁGICA...


Mozart para o povo: A Flauta Mágica

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Em 1791, seu último ano de vida, Wolfgang Amadeus Mozart escrevia simultaneamente suas duas últimas obras: A Clemência de Tito (conhecida como Opera Seria – composta para a coroação do Rei Leopoldo II) e a segunda, diga-se de passagem, não encomendada pela corte: a polêmica e famosa Flauta Mágica.

Fruto de um projeto em comum com Emmanuel Schikaneder (1751-1812), diretor de um modesto teatro no subúrbio vienense de Wieden, Mozart quebrou as barreiras sociais de forma bastante ousada, levando a música erudita para o povo - a platéia que cheirava a suor, cerveja e cigarros. Cantada em alemão (o idioma do público alvo), a ópera foi um grande sucesso: em menos de três meses subiu ao palco mais de 50 vezes. Artesãos, jardineiros e até mesmo os camponeses do subúrbio (dos quais os filhos encenavam a obra em papéis secundários – como macacos e leões) assistiram a obra. Uma grande revolução para a massa do século XVIII que (sic) nunca deixava de suspirar um “Bello” ou “Bravíssimo”


Com a Flauta Mágica, a música erudita desceu do topo da hierarquia social para tornar-se algo mais que sofisticado, popular: uma obra composta tanto para o rei quanto para seus criados.

Curiosidade: Mozart e Schikaneder eram membros da Maçonaria, sociedade secreta condenada e perseguida por uma bula papal desde 1738, que teve o cerco fechado em reação à Revolução Francesa. Foi aí que Shickaneder aproveitou a oportunidade de explorar os ritos proibidos, fazendo da Flauta Mágica um discurso laudatório a sociedade secreta.

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