Existe uma possível integração doutrinária entre a
teoria platônica, que floresceu por volta do século 5º a.C, e a tradição
simbólica maçônica? Para responder a esta intrigante pergunta é preciso abstrair
nossas mentes levando-as até a Antiguidade Clássica, na aurora do pensamento
filosófico. Assim será possível refletir se, naquele ambiente altamente
intelectualizado, as bases de nossa sagrada Ordem teriam eclodido com força e
vigor, ao lado da emergente Filosofia. Nessa perspectiva inquietante,
convidaremos o eminente mestre helênico Platão ao centro de nosso templo. Ali,
tal qual nas ágoras de Atenas, ouviremos a exposição de algumas de suas idéias.
Ao final vamos deliberar se realmente a Luz Maçônica brilhou com força e vigor
em sua mente, forjando um amálgama simbólico que sedimentaria nossas Colunas e o
pensamento humano em busca do sentido do universo.
PRÓLOGO
Em 427 a.C, na Grécia Antiga, nascia um inquieto pensador chamado Aristócles. Mais conhecido como Platão, devido a seu vasto conhecimento (ou à sua imensa fronte cefálica), foi discípulo de Crátilo, da escola de Heráclito, e de Sócrates. Falecido em 347 a.C, é considerado um dos grandes responsáveis pelo surgimento da Filosofia. Estabeleceu uma vasta doutrina que se divide em 36 trabalhos, agrupados em nove volumes. Esta robusta obra, chamada de teoria platônica, passou a ser ensinada na polis de maneira sistemática a partir de 380 a.C, com a fundação da famosa Academia – que visava aperfeiçoar os cidadãos nas diversas artes, para que bem conduzissem os destinos de Atenas.
Os ensinamentos de Platão, surgidos há mais de 2.500 anos, influenciaram todos os grandes pensadores que viriam posteriormente.
Formaram a base ideológica da maneira como se entende o cosmo, na visão ocidental de mundo.
O que nos chama a atenção, enquanto praticantes da Arte Real, é que grande parte de nossa tradição pode ser compreendida, aparentemente, à luz dos ensinamentos explanados por este profeta, em seu poderoso templo erigido próximo ao bosque em homenagem ao herói grego Academos.
Teriam os conceitos deste arauto da sabedoria sacramentado inquestionáveis pontos de intersecção doutrinária e ontológica entre o nosso Simbolismo e a filosofia matter da Humanidade?
Para avaliarmos se em meio às meditações transcendentais dos mestres do Peloponeso as primeiras pedras das Colunas de Hiram já estariam sendo lapidadas, vamos analisar cinco breves momentos do pensamento de Platão, abaixo elancados.
ATO I - PLATÃO E A ESCADA DE JACÓ
Platão ensina que existem duas formas de se interpretar a realidade: uma pelos nossos sentidos – o “mundo dos sentidos” – e a outra pela nossa intelectualidade – o “mundo das idéias”. As pessoas comuns viveriam em uma realidade ilusória, pois a apreendem apenas através dos cinco sentidos, que são susceptíveis a erros e falhas na interpretação dos fenômenos. Este nível, que utiliza apenas estes instrumentos de nosso corpo, seria o patamar mais primário, elementar e acessível de captação do cosmo. Possibilita somente a formulação de opiniões (a “doxa”) acerca do “ser”, baseadas na imaginação humana (a “eikasia”) que é estimulada pelos vetores sensoriais ou por suas crenças (a “pistis”). Neste caos de sentidos e significados, tudo é passageiro, tudo muda, ou como dizia Heráclito (540 a 470 a.C), “tudo flui”.
A essência das coisas, porém, estaria além da capacidade física dos nossos órgãos. Começaria a ser captada só a partir do segundo nível do saber, uma fase intermediária entre os dois mundos. Nomeado por Platão como “dianóia” ou “noesis”, incorpora métodos discursivos e dedutivos no processo de entendimento. Neste patamar entre os sentidos e as idéias, os modelos basilares de estruturação das concepções são as figuras matemáticas puras, que existem apenas na dedução intelectual das formas ideais – um quadrado perfeito, por exemplo, jamais é visto na natureza.
Acima deste nível intermediário, resplandece o degrau máximo de conhecimento: a “episteme”. Atingindo este nível, chegamos ao “mundo das ideiais”, que só é apreensível em função da inteligência. Sua dinâmica ou fisiologia independe das conjecturas do tempo, uma vez que se cristaliza pela dimensão do eterno, daquilo que “é” – como afirmaria o digno representante da tradição pré-socrática, Parmênides (530 a 470 a.C).
A trajetória evolutiva dos filósofos, buscando ultrapassar o mundo sensível e conquistando, assim, o universo das idéias, se apresenta claramente em nossas Lojas, quando regularmente constituídas. Em todas as nossas Sessões Ritualísticas representamos exatamente esta jornada rumo ao aperfeiçoamento humano, onde as verdades mais puras e inequívocas se estabelecem. Saindo do mundo profano (o pavimento mosaico) escalamos degrau a degrau os níveis do conhecimento, que cintila definitivamente apenas no mundo das idéias. O processo de asceze intelectual, tão bem descrito por Platão, foi traduzido pelos Mestres-Maçons como a metáfora da jornada pelos degraus da escada de Jacó, que se apruma simbolicamente entre as Luzes Emblemáticas e orienta nossos trabalhos.
ATO II – A GEOMETRIA PLATÔNICA
Platão afirma que para acessarmos o grau inicial da escala rumo ao conhecimento supremo, dependemos apenas de nossos cincos sentidos, como vimos anteriormente. Portanto, o “mundo das crenças e das opiniões” está à disposição de qualquer pessoa, mesmo aquela que ainda permanece no mais humilde nível de ignorância. Mas, para começarmos a traduzir os ideogramas primários do “mundo das ideiais”, perseverando na disposição do compreender a realidade, necessitamos interpretar o significado das formas matemático-geométricas que existem exatamente neste plano inicial da sceze para além da capacidade sensorial.
Surge, então, não mais apenas a alegoria do “homem comum”. Vemos eclodir a figura do pensador-matemático, que abstrai sua mente levando-a a círculos improváveis de raciocínio puro – já estamos no campo da dianoia. Em outras palavras: a Geometria se firma como ciência primeira, aquela que rompe os pórticos de entrada aos templos da verdadeira sabedoria.
Seguindo a tradição de tantos filósofos que já haviam pronunciado o valor abstrato das formas poliédricas para o entendimento das realidades além do universo concreto, Platão explica por que se há tanta valorização dos mistérios desta nobre arte por parte dos especuladores contemporâneos. Indo muito além das questões relacionados à arquitetura e construções em si, compreender o sentido das formas geométricas significa entender o próprio processo de autoconhecimento e de compreensão do Cosmos.
ATO III – O MITO DA CAVERNA E A INICIAÇÃO
Platão, no capítulo VII de sua obra A República, nos apresenta uma alegoria sobre a condição existencial humana que se constitui na mais famosa e conhecida construção mitológica da Filosofia, chamada de parábola ou Mito da Caverna. Propõe o mestre que imaginemos uma imensa caverna na qual homens permanecem acorrentados pelos pés, mãos e pescoços, de costas para a entrada e de frente a uma grande parede – o fundo da gruta. Ali eles nasceriam, viveriam e morreriam, por sucessivas gerações. Tudo que enxergavam era a grande murada a frente, similar a uma tela ou pano de fundo de um palco. Lá fora, um pouco além da embocadura, haveria uma monumental fogueira, gerando muita luz que iluminava continuamente as pessoas e os objetos do mundo externo, interpostos entre o fogo escaldante e a caverna.
Nessa condição, sombras desses entes seriam projetadas para o interior, chegando até a parede. Os sons emitidos pelas falas e demais eventos também seriam enviados e refletiriam como ecos, pelas pedras. Assim, qual seria a percepção da realidade captada pelos homens acorrentados? Afirma Platão que eles enxergariam apenas um eterno desfile de imagens virtuais e ecos que não se constituiriam na realidade das coisas – seriam apenas projeções, artefatos ou simulacros da verdade.
Eles estariam nas trevas, no caos e no terror da obtusidade da mente humana que ainda não teria assimilado a capacidade de ver além das aparências.
De repente, porém, ocorre um fato insólito. Uma pessoa que permanecia ali, inerte, toma uma atitude. Dotada de uma capacidade moral e intelectual diferenciadas, sente uma inevitável necessidade de ir além. Cria instrumentos para romper os grilhões e assim se liberta, girando vagarosamente sua cabeça em direção à fonte das imagens projetadas, onde está o fogo, depois se levantando e caminhando, serenamente rumo à saída da caverna. Ali recebe a Luz esplendorosa do Sol, e adquire a Sabedoria, tendo contato pela primeira vez com a verdade. Este processo é doloroso, pois seus membros e músculos nunca haviam sido exigidos, assim como seus olhos, que se irritam e lacrimejam com a forte luminosidade natural. Os raios solares do meio-dia chegam a queimar sua pele sensível, deixando uma marca inequívoca de que o homem, agora, está transformado. Jamais será o mesmo, pois trilhou um caminho sem volta.
Passando algum tempo, nosso bravo companheiro resolve retornar à caverna, para encontrar seus antigos parceiros de cárcere. Ali chegando, porém, fica claro que a metamorfose em sua alma foi além do que sua vã filosofia podia supor. Ele não consegue mais se comunicar adequadamente com os outros, pois sua linguagem está inacessível à capacidade de interpretação dos que permaneceram nas sombras. Suas experiências no mundo real soam como mentiras, e geram estresse e descontentamento aos presos, que passam a maltratá-lo. Nosso herói conclui que deve permanecer calado, no mais profundo silêncio sobre tudo que se passou lá em cima, quando estiver visitando os ambientes de penumbra.
Nessa alegoria percebemos com clareza a descrição da experiência iniciática, quando o neófito, obtém a Luz. Em seguida, se reforça a necessidade de não revelação de nossos mistérios aos profanos, pois estes não têm condições de interpretá-los.
ATO IV – DO CAOS AO COSMO
No princípio existia o caos, que era a matéria amorfa e sem definição. Depois, surgiu a organização arquitetural das estruturas e o cosmo se estabeleceu. Este conceito global de formação do universo, trabalho alegoricamente em nossa ritualística, se apresenta em detalhes na doutrina platônica. A dualidade entre os dois grandes mundos, o sensível e o das idéias, volta ao cerne nesta proposição. Para Platão, a causa verdadeira da existência do chamado “mundo sensível” seria o “mundo inteligível” ou seja, este gera aquele. As idéias, que podem ser definidas como sendo os princípios formais de tudo que existe, estruturam a matéria ilimitada e indeterminada de caráter físico, o receptáculo sensível chamado também de “chora”.
Mas, como se processa essa transformação rumo ao equilíbrio? Nosso doutrinador não nega a existência e o valor dos deuses pessoais – comuns na Antiguidade clássica – mas diz que á uma entidade indefinida, impessoal, estruturalmente múltipla, que se estabelece na possibilidade de encarar a divindade na perspectiva do supra-sensível, ou seja, além/acima dos sentidos. Claramente este agente se refere diretamente ao “mundo das ideiais” e às suas infinitas possibilidades. Este ente determinaria que um deus-pessoal ou artífice plasmador, batizado Omo demiurgo, se incumbisse de trabalhar, a matéria bruta de acordo com os moldes imutáveis e elementares (as idéias) criando as cópias que se apresentam no campo sensível.
Em nossa cosmo visão, o mundo inteligível ou sensível seria o habitáculo ou a representação do Grande Arquiteto do Universo, pois dali se extrai as formas primordiais, e o demiurgo seria a sabedoria, ou a inteligência – que dá forma justa e perfeita a cada detalhe do projeto arquitetural da Grande Obra.
ATO V – A EXISTÊNCIA DO BEM
Trabalhos sempre em busca do aprimoramento moral e intelectual da humanidade. Para que isso seja possível é necessário que acreditemos na existência de uma força concreta que impulsione, oriente e determine nossas condutas sempre pela trilha do reto e justo. Platão, de certa forma, define este vértice condutor de nossos caminhos e o denomina de “Bem”. Este seria o princípio supremo, estabelecido no livro A República. Nas tradições esotéricas mais antigas tratava-se do número um, ou unidade.
O sistema platônico das idéias se forma de acordo com uma hierarquia perfeita, com ordem e organização, ficando as “idéias inferiores” abaixo das “superiores”. Temos assim o surgimento de uma pirâmide virtual cujo ápice é formado pela idéia elementar, unitária ou essencial: o Bem. Este não seria condicionado por nada mais, pois tem autonomia e potência absoluta, e se constitui no fundamento que torna todas as outras idéias cognoscíveis à mente humana. Ele não se equipara à substância ou “ousia” (a matéria da qual são extraídas as coisas), nem à essência (as formas ou idéias elementares), pois está acima de tudo isso, transcendendo a estes planos de forma inequívoca e eterna.
ÊXODUS – CONCLUSÃO
Analisamos apenas as cinco passagens acima, que expõe parte do pensamento de Platão, fica claro que Maçonaria e Filosofia são frutos da mesma árvore da sabedoria ancestral. Ambas se entrelaçam em uma complexa simbiose de símbolos e significados, interpretando as inúmeras concepções criadas pela mente humana para entender o sentido do universo.
Dentre as várias escolas, a chamada Filosofia Antiga ou Clássica certamente foi uma das principais influências na estruturação de nossa doutrina, cuja essência foi estabelecida em tempos imemoriais.
Concluímos, portanto, que ser reconhecido com um legítimo iniciado na Sublime Ordem Maçônica equivale a ser considerado, simbolicamente, um digno e valoroso discípulo do mestre Platão.
PRÓLOGO
Em 427 a.C, na Grécia Antiga, nascia um inquieto pensador chamado Aristócles. Mais conhecido como Platão, devido a seu vasto conhecimento (ou à sua imensa fronte cefálica), foi discípulo de Crátilo, da escola de Heráclito, e de Sócrates. Falecido em 347 a.C, é considerado um dos grandes responsáveis pelo surgimento da Filosofia. Estabeleceu uma vasta doutrina que se divide em 36 trabalhos, agrupados em nove volumes. Esta robusta obra, chamada de teoria platônica, passou a ser ensinada na polis de maneira sistemática a partir de 380 a.C, com a fundação da famosa Academia – que visava aperfeiçoar os cidadãos nas diversas artes, para que bem conduzissem os destinos de Atenas.
Os ensinamentos de Platão, surgidos há mais de 2.500 anos, influenciaram todos os grandes pensadores que viriam posteriormente.
Formaram a base ideológica da maneira como se entende o cosmo, na visão ocidental de mundo.
O que nos chama a atenção, enquanto praticantes da Arte Real, é que grande parte de nossa tradição pode ser compreendida, aparentemente, à luz dos ensinamentos explanados por este profeta, em seu poderoso templo erigido próximo ao bosque em homenagem ao herói grego Academos.
Teriam os conceitos deste arauto da sabedoria sacramentado inquestionáveis pontos de intersecção doutrinária e ontológica entre o nosso Simbolismo e a filosofia matter da Humanidade?
Para avaliarmos se em meio às meditações transcendentais dos mestres do Peloponeso as primeiras pedras das Colunas de Hiram já estariam sendo lapidadas, vamos analisar cinco breves momentos do pensamento de Platão, abaixo elancados.
ATO I - PLATÃO E A ESCADA DE JACÓ
Platão ensina que existem duas formas de se interpretar a realidade: uma pelos nossos sentidos – o “mundo dos sentidos” – e a outra pela nossa intelectualidade – o “mundo das idéias”. As pessoas comuns viveriam em uma realidade ilusória, pois a apreendem apenas através dos cinco sentidos, que são susceptíveis a erros e falhas na interpretação dos fenômenos. Este nível, que utiliza apenas estes instrumentos de nosso corpo, seria o patamar mais primário, elementar e acessível de captação do cosmo. Possibilita somente a formulação de opiniões (a “doxa”) acerca do “ser”, baseadas na imaginação humana (a “eikasia”) que é estimulada pelos vetores sensoriais ou por suas crenças (a “pistis”). Neste caos de sentidos e significados, tudo é passageiro, tudo muda, ou como dizia Heráclito (540 a 470 a.C), “tudo flui”.
A essência das coisas, porém, estaria além da capacidade física dos nossos órgãos. Começaria a ser captada só a partir do segundo nível do saber, uma fase intermediária entre os dois mundos. Nomeado por Platão como “dianóia” ou “noesis”, incorpora métodos discursivos e dedutivos no processo de entendimento. Neste patamar entre os sentidos e as idéias, os modelos basilares de estruturação das concepções são as figuras matemáticas puras, que existem apenas na dedução intelectual das formas ideais – um quadrado perfeito, por exemplo, jamais é visto na natureza.
Acima deste nível intermediário, resplandece o degrau máximo de conhecimento: a “episteme”. Atingindo este nível, chegamos ao “mundo das ideiais”, que só é apreensível em função da inteligência. Sua dinâmica ou fisiologia independe das conjecturas do tempo, uma vez que se cristaliza pela dimensão do eterno, daquilo que “é” – como afirmaria o digno representante da tradição pré-socrática, Parmênides (530 a 470 a.C).
A trajetória evolutiva dos filósofos, buscando ultrapassar o mundo sensível e conquistando, assim, o universo das idéias, se apresenta claramente em nossas Lojas, quando regularmente constituídas. Em todas as nossas Sessões Ritualísticas representamos exatamente esta jornada rumo ao aperfeiçoamento humano, onde as verdades mais puras e inequívocas se estabelecem. Saindo do mundo profano (o pavimento mosaico) escalamos degrau a degrau os níveis do conhecimento, que cintila definitivamente apenas no mundo das idéias. O processo de asceze intelectual, tão bem descrito por Platão, foi traduzido pelos Mestres-Maçons como a metáfora da jornada pelos degraus da escada de Jacó, que se apruma simbolicamente entre as Luzes Emblemáticas e orienta nossos trabalhos.
ATO II – A GEOMETRIA PLATÔNICA
Platão afirma que para acessarmos o grau inicial da escala rumo ao conhecimento supremo, dependemos apenas de nossos cincos sentidos, como vimos anteriormente. Portanto, o “mundo das crenças e das opiniões” está à disposição de qualquer pessoa, mesmo aquela que ainda permanece no mais humilde nível de ignorância. Mas, para começarmos a traduzir os ideogramas primários do “mundo das ideiais”, perseverando na disposição do compreender a realidade, necessitamos interpretar o significado das formas matemático-geométricas que existem exatamente neste plano inicial da sceze para além da capacidade sensorial.
Surge, então, não mais apenas a alegoria do “homem comum”. Vemos eclodir a figura do pensador-matemático, que abstrai sua mente levando-a a círculos improváveis de raciocínio puro – já estamos no campo da dianoia. Em outras palavras: a Geometria se firma como ciência primeira, aquela que rompe os pórticos de entrada aos templos da verdadeira sabedoria.
Seguindo a tradição de tantos filósofos que já haviam pronunciado o valor abstrato das formas poliédricas para o entendimento das realidades além do universo concreto, Platão explica por que se há tanta valorização dos mistérios desta nobre arte por parte dos especuladores contemporâneos. Indo muito além das questões relacionados à arquitetura e construções em si, compreender o sentido das formas geométricas significa entender o próprio processo de autoconhecimento e de compreensão do Cosmos.
ATO III – O MITO DA CAVERNA E A INICIAÇÃO
Platão, no capítulo VII de sua obra A República, nos apresenta uma alegoria sobre a condição existencial humana que se constitui na mais famosa e conhecida construção mitológica da Filosofia, chamada de parábola ou Mito da Caverna. Propõe o mestre que imaginemos uma imensa caverna na qual homens permanecem acorrentados pelos pés, mãos e pescoços, de costas para a entrada e de frente a uma grande parede – o fundo da gruta. Ali eles nasceriam, viveriam e morreriam, por sucessivas gerações. Tudo que enxergavam era a grande murada a frente, similar a uma tela ou pano de fundo de um palco. Lá fora, um pouco além da embocadura, haveria uma monumental fogueira, gerando muita luz que iluminava continuamente as pessoas e os objetos do mundo externo, interpostos entre o fogo escaldante e a caverna.
Nessa condição, sombras desses entes seriam projetadas para o interior, chegando até a parede. Os sons emitidos pelas falas e demais eventos também seriam enviados e refletiriam como ecos, pelas pedras. Assim, qual seria a percepção da realidade captada pelos homens acorrentados? Afirma Platão que eles enxergariam apenas um eterno desfile de imagens virtuais e ecos que não se constituiriam na realidade das coisas – seriam apenas projeções, artefatos ou simulacros da verdade.
Eles estariam nas trevas, no caos e no terror da obtusidade da mente humana que ainda não teria assimilado a capacidade de ver além das aparências.
De repente, porém, ocorre um fato insólito. Uma pessoa que permanecia ali, inerte, toma uma atitude. Dotada de uma capacidade moral e intelectual diferenciadas, sente uma inevitável necessidade de ir além. Cria instrumentos para romper os grilhões e assim se liberta, girando vagarosamente sua cabeça em direção à fonte das imagens projetadas, onde está o fogo, depois se levantando e caminhando, serenamente rumo à saída da caverna. Ali recebe a Luz esplendorosa do Sol, e adquire a Sabedoria, tendo contato pela primeira vez com a verdade. Este processo é doloroso, pois seus membros e músculos nunca haviam sido exigidos, assim como seus olhos, que se irritam e lacrimejam com a forte luminosidade natural. Os raios solares do meio-dia chegam a queimar sua pele sensível, deixando uma marca inequívoca de que o homem, agora, está transformado. Jamais será o mesmo, pois trilhou um caminho sem volta.
Passando algum tempo, nosso bravo companheiro resolve retornar à caverna, para encontrar seus antigos parceiros de cárcere. Ali chegando, porém, fica claro que a metamorfose em sua alma foi além do que sua vã filosofia podia supor. Ele não consegue mais se comunicar adequadamente com os outros, pois sua linguagem está inacessível à capacidade de interpretação dos que permaneceram nas sombras. Suas experiências no mundo real soam como mentiras, e geram estresse e descontentamento aos presos, que passam a maltratá-lo. Nosso herói conclui que deve permanecer calado, no mais profundo silêncio sobre tudo que se passou lá em cima, quando estiver visitando os ambientes de penumbra.
Nessa alegoria percebemos com clareza a descrição da experiência iniciática, quando o neófito, obtém a Luz. Em seguida, se reforça a necessidade de não revelação de nossos mistérios aos profanos, pois estes não têm condições de interpretá-los.
ATO IV – DO CAOS AO COSMO
No princípio existia o caos, que era a matéria amorfa e sem definição. Depois, surgiu a organização arquitetural das estruturas e o cosmo se estabeleceu. Este conceito global de formação do universo, trabalho alegoricamente em nossa ritualística, se apresenta em detalhes na doutrina platônica. A dualidade entre os dois grandes mundos, o sensível e o das idéias, volta ao cerne nesta proposição. Para Platão, a causa verdadeira da existência do chamado “mundo sensível” seria o “mundo inteligível” ou seja, este gera aquele. As idéias, que podem ser definidas como sendo os princípios formais de tudo que existe, estruturam a matéria ilimitada e indeterminada de caráter físico, o receptáculo sensível chamado também de “chora”.
Mas, como se processa essa transformação rumo ao equilíbrio? Nosso doutrinador não nega a existência e o valor dos deuses pessoais – comuns na Antiguidade clássica – mas diz que á uma entidade indefinida, impessoal, estruturalmente múltipla, que se estabelece na possibilidade de encarar a divindade na perspectiva do supra-sensível, ou seja, além/acima dos sentidos. Claramente este agente se refere diretamente ao “mundo das ideiais” e às suas infinitas possibilidades. Este ente determinaria que um deus-pessoal ou artífice plasmador, batizado Omo demiurgo, se incumbisse de trabalhar, a matéria bruta de acordo com os moldes imutáveis e elementares (as idéias) criando as cópias que se apresentam no campo sensível.
Em nossa cosmo visão, o mundo inteligível ou sensível seria o habitáculo ou a representação do Grande Arquiteto do Universo, pois dali se extrai as formas primordiais, e o demiurgo seria a sabedoria, ou a inteligência – que dá forma justa e perfeita a cada detalhe do projeto arquitetural da Grande Obra.
ATO V – A EXISTÊNCIA DO BEM
Trabalhos sempre em busca do aprimoramento moral e intelectual da humanidade. Para que isso seja possível é necessário que acreditemos na existência de uma força concreta que impulsione, oriente e determine nossas condutas sempre pela trilha do reto e justo. Platão, de certa forma, define este vértice condutor de nossos caminhos e o denomina de “Bem”. Este seria o princípio supremo, estabelecido no livro A República. Nas tradições esotéricas mais antigas tratava-se do número um, ou unidade.
O sistema platônico das idéias se forma de acordo com uma hierarquia perfeita, com ordem e organização, ficando as “idéias inferiores” abaixo das “superiores”. Temos assim o surgimento de uma pirâmide virtual cujo ápice é formado pela idéia elementar, unitária ou essencial: o Bem. Este não seria condicionado por nada mais, pois tem autonomia e potência absoluta, e se constitui no fundamento que torna todas as outras idéias cognoscíveis à mente humana. Ele não se equipara à substância ou “ousia” (a matéria da qual são extraídas as coisas), nem à essência (as formas ou idéias elementares), pois está acima de tudo isso, transcendendo a estes planos de forma inequívoca e eterna.
ÊXODUS – CONCLUSÃO
Analisamos apenas as cinco passagens acima, que expõe parte do pensamento de Platão, fica claro que Maçonaria e Filosofia são frutos da mesma árvore da sabedoria ancestral. Ambas se entrelaçam em uma complexa simbiose de símbolos e significados, interpretando as inúmeras concepções criadas pela mente humana para entender o sentido do universo.
Dentre as várias escolas, a chamada Filosofia Antiga ou Clássica certamente foi uma das principais influências na estruturação de nossa doutrina, cuja essência foi estabelecida em tempos imemoriais.
Concluímos, portanto, que ser reconhecido com um legítimo iniciado na Sublime Ordem Maçônica equivale a ser considerado, simbolicamente, um digno e valoroso discípulo do mestre Platão.
Ir.’. Carlos Alberto Carvalho
Pires
ARLS Acácia de Jaú, 308
GLESP – Or.’. de Jaú – SP
ARLS Acácia de Jaú, 308
GLESP – Or.’. de Jaú – SP
publicado na Revista A Verdade nº
475
Referências
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