quinta-feira, 17 de outubro de 2013
O QUE SIGNIFICA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA?
A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana: pelo simples fato de "ser" humana, a pessoa merece todo o respeito, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social e econômica.
Muito se tem usado a expressão "dignidade da pessoa humana" para defender direitos humanos fundamentais, mas sem se chegar ao âmago do conceito e seus corolários ineludíveis. Daí a invocação da expressão em contextos diametralmente opostos, para justificar seja o direito à vida do nascituro, seja o direito ao aborto. Diante de tal paradoxo, mister se faz trazer alguns elementos de reflexão sobre realidades e sofismas na fixação de um conceito de "dignidade da pessoa humana" que sirva de base sólida à defesa dos direitos essenciais do ser humano, sob pena de deixá-los sem qualquer amparo efetivo e, por conseguinte, sem garantia de respeito.
A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana: pelo simples fato de "ser" humana, a pessoa merece todo o respeito, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social e econômica. Nesse sentido, o conceito de dignidade da pessoa humana não pode ser relativizado: a pessoa humana, enquanto tal, não perde sua dignidade quer por suas deficiências físicas, quer mesmo por seus desvios morais. Deve-se, nesse último caso, distinguir entre o crime e a pessoa do criminoso. O crime deve ser punido, mas a pessoa do criminoso deve ser tratada com respeito, até no cumprimento da pena a que estiver sujeito. Se o próprio criminoso deve ser tratado com respeito, quanto mais a vida inocente.
Com efeito, a idéia de dignidade da pessoa humana está na base do reconhecimento dos direitos humanos fundamentais. Só é sujeito de direitos a pessoa humana. Os direitos humanos fundamentais são o "mínimo existencial" para que possa se desenvolver e se realizar. Há, ademais, uma hierarquia natural entre os direitos humanos, de modo que uns são mais existenciais do que outros. E sua lista vai crescendo, à medida que a humanidade vai tomando consciência das implicações do conceito de dignidade da vida humana. Por isso, Tomás de Aquino, ao tratar da questão da imutabilidade do direito natural, reconhecia ser ele mutável, mas apenas por adição, mediante o reconhecimento de novos direitos fundamentais. Nesse diapasão seguiram as sucessivas declarações dos direitos humanos fundamentais (a francesa de 1789 e a da ONU de 1948), desenvolvendo-se a idéia de diferentes "gerações" de direitos fundamentais: os de 1ª geração, como a vida, a liberdade, a igualdade e a propriedade; os de 2ª geração, como a saúde, a educação e o trabalho; e os de 3ª geração, como a paz, a segurança e o resguardo do meio ambiente.
Ora, só se torna direito humano fundamental a garantia de um meio ambiente saudável, quando se toma consciência de que o descuido da natureza pode comprometer a existência do homem sobre o planeta. Assim, os direitos humanos de 3ª geração dependem necessária e inexoravelmente dos direitos de 1ª geração. Daí que, sendo o direito à vida o mais básico e fundamental dos direitos humanos, não pode ser relativizado, em prol de outros valores e direitos. Sem vida não há qualquer outro direito a ser resguardado.
Assim, a defesa do aborto, em nome da dignidade da pessoa humana, ao fundamento de que uma vida só é digna de ser vivida se for em "condições ótimas de temperatura e pressão" é dos maiores sofismas que já surgiram, desde os tempos de Sócrates, quando Cálicles tentava demonstrar, com sua retórica, que o natural era a prevalência do mais forte sobre o mais fraco. Não é diferente com aqueles que defendem o sacrifício de vidas inocentes, em nome quer da cura de doenças graves, quer do bem-estar psicológico da mulher.
Uma coisa é o sacrifício voluntário do titular do direito à vida, para salvar outra vida. Outra coisa bem diferente é a imposição do sacrifício por parte do mais forte em relação ao mais fraco, que não tem sequer como se defender, dependendo de que outros o façam por ele, por puro altruísmo (consola saber que 83% da população brasileira, em recente pesquisa jornalística, é contrária ao aborto de anencéfalos). Sempre pareceu um gesto de extrema covardia suprimir a vida nascente e indefesa, e mais ainda quando se procura revestir tal gesto de uma áurea de nobreza, em nome da dignidade. Seria o caso de perguntar àqueles que serão suprimidos se realmente não quereriam viver, nas condições que sejam. Do contrário, o que se está criando é a sociedade dos perfeitos, dos mais fortes e aptos, pura eugenia.
Desde a autorização para a instrumentalização de fetos humanos com vistas a pesquisas científicas (verdadeiras cobaias humanas, canibalizadas), passando pela discussão quanto ao aborto do anencéfalo (cujo índice de ocorrências subirá astronomicamente no caso de liberação, atestando-se anencefalia para toda criança indesejada), até se chegar ao aborto puro e simples, o caminho que vai sendo trilhado no desrespeito ao direito humano mais fundamental, sob o rótulo de se lutar por uma vida digna, faz com que as discussões judiciais sobre os demais direitos humanos passem a ser mera perfumaria em Cortes herodianas que já condenaram as mais indefesas das criaturas humanas. Daí a necessidade de se resgatar o conceito de dignidade da pessoa humana, limpando-o de matizações que acabam por reduzir a pessoa, de sujeito em mero objeto de direito alheio.
Ives Gandra Martins Filho
Ministro do TST, professor de Filosofia do Direito do IDP
colaboração do Ir.'. Lauro Lustosa Vieira
ARLS Loja Abrigo do Cedro nº 8
Brasília - DF.
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